quarta-feira, 8 de junho de 2011

Outra do Analista de Bagé













Luis Fernando Verissimo









Existem muitas histórias sobre o analista de Bagé, mas não sei se todas são verdadeiras. Seus métodos são certamente pouco ortodoxos, embora ele mesmo se descreva como "freudiano barbaridade". E parece que dão certo, pois sua clientela aumenta. Foi ele que desenvolveu a terapia do joelhaço.





Diz que quando recebe um paciente novo no seu consultório a primeira coisa que o analista de Bagé faz é lhe dar um joelhaço. Em paciente homem, claro, pois em mulher, segundo ele, "só se bate pra descarregá energia". Depois do joelhaço o paciente é levado, dobrado ao meio, para o divã coberto com um pelego.





– Te abanca, índio velho, que tá incluído no preço.





– Ai – diz o paciente.





– Toma um mate?





– Na-não... – geme o paciente.





– Respira fundo, tchê. Enche o bucho que passa.





O paciente respira fundo. O analista de Bagé pergunta:





– Agora, qual é o causo?





– É depressão, doutor.





O analista de Bagé tira uma palha de trás da orelha e começa a enrolar um cigarro.





– Tô te ouvindo – diz.





– É uma coisa existencial, entende?





– Continua, no más.





– Começo a pensar, assim, na finitude humana em contraste com o infinito cósmico...





– Mas tu é mais complicado que receita de creme Assis Brasil.





– E então tenho consciência do vazio da existência, da desesperança inerente à condição humana. E isso me angustia.





Pois vamos dar um jeito nisso agorita – diz o analista de Bagé, com uma baforada.





– O senhor vai curar a minha angústia?





– Não, vou mudar o mundo. Cortar o mal pela mandioca.





– Mudar o mundo?





– Dou uns telefonemas aí e mudo a condição humana.





– Mas... Isso é impossível!





– Ainda bem que tu reconhece, animal!





– Entendi. O senhor quer dizer que é bobagem se angustiar com o inevitável.





– Bobagem é espirrá na farofa. Isso é burrice e da gorda.





– Mas acontece que eu me angustio. Me dá um aperto na garganta...





– Escuta aqui, tchê. Tu te alimenta bem?





– Me alimento.





– Tem casa com galpão?





– Bem... Apartamento.





– Não é veado?





– Não.





– Tá com os carnê em dia?





– Estou.





– Então, ó bagual. Te preocupa com a defesa do Guarani e larga o infinito.





– O Freud não me diria isso.





– O que o Freud diria tu não ia entender mesmo. Ou tu sabe alemão?





– Não.





– Então te fecha. E olha os pés no meu pelego.





– Só sei que estou deprimido e isso é terrível. É pior do que tudo.





Aí o analista de Bagé chega a sua cadeira para perto do divã e pergunta:





– É pior que joelhaço?





Texto extraído do livro "O analista de Bagé", L&PM Editores – Porto Alegre, 1982, pág. 23-25.

Irmãos

Luis Fernando Verissimo

– De vez em quando eu penso neles...

Quem?

– Nos espermatozoides...

– De vez em quando você pensa em seus espermatozoides?
– No meus, não. Nos do meu pai.

– Você está bêbado.

– Na noite em que fui concebido... Suponho que tenha sido uma noite... Eu era um entre milhões de espermatozoides. Mas só eu cheguei ao óvulo da mamãe. Ou seria bilhões?

– Acho que é óvulo mesmo.

– Não. Os espermatozoides. São milhões ou bilhões?

– Ahn... Não sei.

– Não importa. Milhões, bilhões. Só eu me criei, entende? Por acaso. Isso é mais assombroso. A gratuidade da coisa. Havia milhões, bilhões de espermatozoides junto comigo e só eu, entende? Só eu fecundei o óvulo. Não é assombroso?

– É.

– Você acha mesmo?

– Acho.

– Podia ser qualquer um, mas fui eu. Por acaso.

– Amendoim?

– Hein? Obrigado. Agora, me diga. Por que eu? A gratuidade da coisa. Só eu fecundei o óvulo, virei feto, nasci, me criei e estou aqui, neste bar, de gravata, bebendo. Agora me diga, o que é isso?

– É como você diz. A gratuidade da coisa.

– Não, não. Isso que estou bebendo.

– É, ahn, uísque.

– Uísque. Pois então. Aí está.

– Ó Moacyr, vê outro aqui. O rapaz está precisando.

– Um brinde!

– Um brinde.

– A eles!

– Quem?

– Aos espermatozoides que não chegaram ao óvulo da mamãe. Aos companheiros. Aos bravos que cumpriram sua missão e não vieram para comemorar. Aos que perderam a viagem. Aos meus irmãos!

– Aos meus irmãos!

– Meus irmãos. Você não estava lá.

– Aos seus irmãos!

– Aos milhões, bilhões que se sacrificaram para que eu pudesse viver.

– Salve.

– Agora me diga uma coisa.

– Duas. Digo duas.

– Cada espermatozoide é uma pessoa diferente, certo? Quer dizer. Em outras palavras. Se outro espermatozoide tivesse completado a viagem, não seria eu aqui. Ou seria?

– Depende.

– Não seria. Seria outra pessoa. Outro nariz, outras ideias. Talvez até torcesse pelo América. Uma mulher! Podia ser uma mulher. Certo?

– Não vamos exagerar...

– Então, imagina o seguinte. Pense bem. Amendoim.

– Amendoim. Estou pensando nele. Amendoim.

– Não. Me passe o amendoim e pense no seguinte. Se entre os espermatozoides que me acompanharam, e que não chegara ao óvulo, estava o cara que ia descobrir a cura do câncer? Hein? Hein?

– Certo.

Mas, em vez dele, eu é que cheguei. Por acaso. Ou podia ser uma mulher. Uma soprano de fama internacional. Em vez disso, deu eu. Veja a minha responsabilidade.

– Acho que você está sendo radical.

– Não. Imagine se em vez do espermatozoide que se transformou no Jânio Quadros, tivesse dado outro. A história do Brasil seria completamente diferente! É ou não é?

– Mais ou menos.

– Pois então. Eu me sinto culpado, entende? Acho que eu devia, sei lá.

– Ter feito mais da minha vida. Em honra a eles. Eu estou representando milhões, bilhões de espermatozoides, cada um uma pessoa em potencial. E o que é que eu fiz da minha vida?

– E se fosse um bandido?

– Como?

– Se, em vez de você, o espermatozoide que tivesse dado certo fosse um assassino, um mau-caráter. Não quero falar dos espermatozoides do seu pai, mas num grupo de milhões sempre tem uma ovelha estragada. Uma maça negra. Estatisticamente.

– Você acha mesmo?

– Acho.

– Sei lá.

– E outra coisa. O que passou, passou. Não pense mais nisso.

– Mas eu penso. De vez em quando eu penso. Os meus irmãos que não nasceram. Que nomes eles teriam? Eduardo, Gilson, Amaury, Jéssica...

– Marco Antônio...

– Marco Antônio... Imagine, um deles podia ser o ponta-direita que o Brasil precisava em 74. Eu me sinto culpado. Você não se sente culpado?

– Bom, eu tenho 11 irmãos.

– Aí é diferente.

– Por quê?

– Não sei. Só sei que entre milhões, bilhões de espermatozoides, todos com os mesmos direitos, só eu me criei. Por acaso. Agora me diga, o que é isso?

– É uísque.

– Não. É a gratuidade da coisa.

Não sei...

– Você está bêbado.

Texto extraído do livro "O analista de Bagé", L&PM Editores – Porto Alegre, 1982, pág. 19-22.

O casamento

Luis Fernando Verissimo

— Eu quero ter um casamento tradicional, papai.

— Sim, minha filha.

— Exatamente como você!

— Ótimo.

— Que música tocaram no casamento de vocês?

— Não tenho certeza, mas acho que era Mendelssohn. Ou Mendelssohn o d a Marcha Fúnebre? Não, era Mendelssohn mesmo.

— Mendelssohn, Mendelssohn... Acho que não conheço. Canta alguma coisa dele ai.

— Ah, não posso, minha filha. Era o que o órgão tocava em todos os casamentos, no meu tempo.

— O nosso não vai ter órgão, é claro.

— Ah, não?

— Não. Um amigo do Varum tem um sintetizador eletrônico e ele vai tocar na cerimônia.

O Padre Tuco já deixou. Só que esse Mendelssohn, não sei, não...

— É, acho que no sintetizador não fica bem...

— Quem sabe alguma coisa do Queen...

— Quem?

— O Queen.

— Não é a Queen?

— Não. O Queen. E o nome de um conjunto, papai.

— Ah, certo. O Queen. No sintetizador.

— Acho que vai ser o maior barato!

— Só o sintetizador ou...

— Não. Claro que precisa ter uma guitarra elétrica, um baixo elétrico...

— Claro. Quer dizer, tudo bem tradicional.

— Isso.

*

— Eu sei que não é da minha conta. Afinal, eu sou só o pai da noiva. Um nada. Na recepção vão me confundir com um garçom. Se ainda me derem gorjeta, tudo bem. Mas alguém pode me dizer por que chamam o nosso futuro genro de Varum?

— Eu sabia...

— O quê?

— Que você já ia começar a implicar com ele.

— Eu não estou implicando. Eu gosto dele. Eu até o beijaria na testa se ele algum dia tirasse aquele capacete de motoqueiro.

— Eles nem casaram e você já está implicando.

— Mas que implicância? É um ótimo rapaz. Tem uma boa cabeça.

Pelo menos eu imagino que seja cabeça o que ele tem debaixo do capacete.

— É um belo rapaz.

— E eu não sei? Há quase um ano que ele frequenta a nossa casa diariamente. E como se fosse um filho. Eu às vezes fico esperando que ele me peça uma mesada. Um belo rapaz. Mas por que Varum?

— E o apelido e pronto.

— Ah, então é isso. Você explicou tudo. Obrigado.

— Quanto mais se aproxima o dia do casamento, mais intratável você fica.

— Desculpe. Eu sou apenas o pai. Um inseto. Me esmigalha. Eu mereço.

*

— Aí xará!

— Ôi, Varum, como vai? A sua noiva está se arrumando. Ela já desce. Senta aí um pouquinho. Tira o capacete...

— Essa noivinha...

— Vocês vão ao cinema?

— Ela não lhe disse? Nós vamos acampar.

— Acampar? Só vocês dois?

— É. Qual é o galho?

— Não. E que... Sei lá.

— Já sei o que você tá pensando, cara. Saquei.

— É! Você sabe como é...

— Saquei. Você está pensando que só nós dois, no meio do mato, pode pintar um lance.

— No mínimo isso. Um lance. Até dois.

— Mas qualé, xará. Não tem disso não. Está em falta. Ôi, gatona!

— Oi, Varum. O que é que você e papai estão conversando?

— Não, o velho aí tá preocupado que nós dois, acampados pode pintar um lance. Eu já disse que não tem disso.

— Ô, papai. Não tem perigo nenhum. Nem cobra. E qualquer coisa o Varum me defende. Eu Jane, ele Tarzan.

— Só não dou o meu grito para proteger os cristais.

— Vamos?

— Vamlá?

— Mas... Vocês vão acampar de motocicleta?

— De motoca, cara. Vá-rum, vá-rum.

*

— Descobri por que ele se chama Varum.

— O quê? Você quer alguma coisa?

— Disse que descobri por que ele se chama Varum.

— Você me acordou só para dizer isto?

— Você estava dormindo?

— É o que eu costumo fazer às três da manhã, todos os dias. Você não dormiu?

— Ainda não. Sabe como é que ele chama ela? Gatona.

Por um estranho processo de degeneração genética, eu sou pai de uma gatona. Varum e Gatona, a dupla dinâmica, está neste momento, no meio do mato.

— Então é isso que está preocupando você?

— E não é para preocupar? Você também não devia estar dormindo.

A gatona é sua também.

— Mas não tem perigo nenhum!

— Como, não tem perigo? Um homem e uma mulher, dentro de uma tenda, no meio do mato?

— O que é que pode acontecer?

— Se você já esqueceu, é melhor ir dormir mesmo.

— Não tem perigo nenhum. O máximo que pode acontecer é entrar um sapo na tenda.

— Ou você está falando em linguagem figurada ou eu é que estou ficando louco.

— Vai dormir.

— Gatona. Minha própria filha...

— Você também tinha um apelido pra mim, durante o nosso noivado.

— Eu prefiro não ouvir.

— Você me chamava de Formosura. Pensando bem, você também tinha um apelido.

— Por favor. Reminiscências não. Comi faz pouco.

— Kid Gordini. Você não se lembra? Você e o seu Gordini envenenado.

— Tão envenenado que morreu, nas minhas mãos. Um dia levei num mecânico e disse que a bateria estava ruim. Ele disse que a bateria estava boa, o resto do carro é que tinha que ser trocado.

— Viu só? E você se queixa do Varum. Kid Gordini!

— Mas eu nunca levei você para o mato no meu Gordini.

— Não levou porque meu pai matava você.

— Hmmmm.

— “Hmmmm” o quê?

— Você me deu uma idéia. Assassinato...

— Não seja bobo.

— Um golpe bem aplicado... Na cabeça não porque ela está sempre bem protegida. Sim. Kid Gordini ataca outra vez...

— O que você tem é ciúme.

— Nisso tudo, tem uma coisa que me preocupa acima de tudo que é o que me tira o sono.

— O quê?

— Será que ele tira o capacete para dormir?

*

— Bom dia.

— Bom dia.

— Eu sou o pai da noiva. Da Maria Helena.

— Maria Helena... Ah, a Gatona!

— Essa.

— Que prazer. Alguma dúvida sobre a cerimônia?

— Não, Padre Osni. E que...

— Pode me chamar de Tuco. E como me chamam.

— Não, Padre Tuco. E que a Ga... A Maria Helena me disse que ela pretende entrar dançando na igreja. O conjunto toca um rock e a noiva entra dançando, é isso?

— É. Um rock suave. Não é rock pauleira.

— Ah, não é rock pauleira. Sei. Bom, isto muda tudo.

— Muitos jovens estão fazendo isto. A noiva entra dançando e na saída os dois saem dançando. O senhor sabe, a Igreja hoje está diferente. É isto que está atraindo os jovens de volta à Igreja. Temos que evoluir com os tempos.

— Claro. Mas, Padre Osni...

— Tuco.

— Padre Tuco, tem uma coisa. O pai da noiva também tem que dançar?

— Bom, isto depende do senhor. O senhor dança?

— Agora não, obrigado. Quer dizer, dançava. Até ganhei concurso de chá-chá-chá. Acho que você ainda não era nascido. Mas estou meio fora de forma e...

— Ensaie, ensaie.

— Certo.

— Peça para a Gatona ensaiar com o senhor.

— Claro.

— Não é rock pauleira.

— Certo. Um roquezinho suave.

Quem sabe um chá-chá-chá? Não. Esquece, esquece.

*

— Você está nervoso, papai?

— Um pouco. E se a gente adiasse o casamento? Eu preciso uma semana a mais de ensaio. Só uma semana.

— Eu estou bonita?

— Linda. Quando estiver pronta vai ficar uma beleza.

— Mas eu estou pronta.

— Você vai se casar assim?

— Você não gosta?

— É... diferente, né? Essa coroa de flores, os pés descalços...

— Não é um barato?

*

— Um brinde, xará!

— Um brinde, Varum.

— Você estava um estouro entrando naquela igreja. Parecia um bailarino profissional.

— Pois é. Improvisei uns passos. Acho que me sai bem.

— Muito bem!

— Não sei se você sabe que eu fui o rei do chá-chá-chá.

— Do quê?

— Chá-chá-chá. Uma dança que havia. Você ainda não era nascido.

— Bota tempo nisso.

— Eu tinha um Gordini envenenado. Tão envenenado que morreu. Um dia levei no...

— Tinha um quê?

— Gordini. Você sabe. Um carro. Varum, varum.

— Ah.

— Esquece.

— Um brinde ao sogro bailarino.

— Um brinde. Eu sei que vocês vão ser muito felizes.

— O que é que você achou da minha beca, cara?

— Sensacional. Nunca tinha visto um noivo de macacão vermelho, antes. Gostei. Confesso que quando entrei na igreja e vi você lá no altar, de capacete...

— Vacilou.

— Vacilei. Mas aí vi que o Padre Tuco estava de boné e pensei, tudo bem. Temos que evoluir com os tempos. E ataquei meu rock suave.


Texto extraído do livro "O analista de Bagé", L&PM Editores – Porto Alegre, 1982, pág. 13-18.

Brincadeira

Luis Fernando Verissimo

Começou como uma brincadeira. Telefonou para um conhecido e disse:

– Eu sei de tudo.

Depois de um silêncio, o outro disse:

– Como é que você soube?

– Não interessa. Sei de tudo.

– Me faz um favor. Não espalha.

– Vou pensar.

– Por amor de Deus.

– Está bem. Mas olhe lá, hein?

Descobriu que tinha poder sobre as pessoas.

– Sei de tudo.

– Co-como?

– Sei de tudo.

– Tudo o quê?

– Você sabe.

– Mas é impossível. Como é que você descobriu?

A reação das pessoas variava. Algumas perguntavam em seguida:

– Alguém mais sabe?

Outras se tornavam agressivas:

– Está bem, você sabe. E daí?

Daí, nada. Só queria que você soubesse que eu sei.

Se você contar pra alguém, eu…

– Depende de você.

– De mim, como?

– Se você andar na linha eu não conto.

– Certo.

Uma vez, parecia ter encontrado um inocente.

– Eu sei de tudo.

– Tudo o quê?

– Você sabe.

– Não sei. O que é que você sabe?

– Não se faça de inocente.

– Mas eu realmente não sei.

– Vem com essa.

– Você não sabe de nada.

– Ah, quer dizer que existe alguma coisa para saber, mas eu é que não sei o que é?

– Não existe nada.

– Olha que eu vou espalhar…

– Pode espalhar que é mentira.

– Como é que você sabe o que eu vou espalhar?

– Qualquer coisa que você espalhar será mentira.

– Está bem. Vou espalhar.

Mas dali a pouco veio um telefonema.

– Escute, estive pensando melhor. Não espalha nada sobre aquilo.

– Aquilo o quê?

– Você sabe.

Passou a ser temido e respeitado. Volta e meia alguém se aproximava dele e sussurrava:

– Você contou para alguém?

– Ainda não.

– Puxa. Obrigado.

Com o tempo, ganhou uma reputação. Era de confiança. Um dia foi procurado por um amigo com uma oferta de emprego. O salário era enorme.

– Por que eu? – quis saber.

– A posição é de muita responsabilidade – disse o amigo. – Recomendei você.

– Por quê?

– Pela sua discrição.

Subiu na vida. Dele se dizia que sabia tudo sobre todos mas nunca abria a boca pra falar de ninguém. Além de bem-informado, um gentleman. Até que recebeu um telefonema. Uma voz misteriosa que disse:

– Sei de tudo.

– Co-como?

– Sei de tudo.

– Tudo o quê?

– Você sabe.

Resolveu desaparecer. Mudou-se de cidade. Os amigos estranharam o seu desaparecimento repentino. Investigaram. O que ele estaria tramando? Finalmente foi descoberto numa praia remota. Os vizinhos contam que numa noite vieram muitos carros e cercaram a casa. Várias pessoas entraram na casa. Ouviram-se gritos. Os vizinhos contam que a voz que mais se ouvia era a dele, gritando:

– Era brincadeira! Era brincadeira!

Foi descoberto de manhã, assassinado. O crime nunca foi desvendado. Mas as pessoas que o conheciam não têm dúvidas sobre o motivo:

Sabia demais.

Texto extraído do livro "O analista de Bagé", L&PM Editores – Porto Alegre, 1982, pág.10-12.