terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Uma tarde no cinema


Shopping Cariri, 16h45min. Sentia-me o pai perfeito e o marido ideal também. Às vésperas do Natal, reuni a família para assistir ao filme Lua Nova, o segundo de uma série que anda fazendo a cabeça da garotada e dos velhos – a vida está mesmo sendo vivida em pacotes, tudo no mesmo saco e servido padrão universal, cabendo em qualquer bolso, qualquer casa e qualquer nação. E ai daquele que discordar dessa realidade padronizada! Afinal, o mundo é das minorias, sempre foi!

A sessão era de 12 anos, mas o moço da portaria falou que ‘acompanhada dos pais, ela entra’ – ele se referia a minha filhinha mais nova de apenas 7 anos. Preciso ver depois se essa anuência do moço da portaria tem mesmo respaldo legal... Juristas de plantão, uma forcinha, por favor!

Eu era o mais velho do grupo, mas, acreditem, fui o único a ter direito à meia! A esposa não estuda mais – virou empresária; as duas filhas, estudantes, alegaram que não andavam de ônibus e por isso dispensavam a carteirinha que dá direito à meia. Não pensem que paguei pela metade por estudar, não, não foi por isso! Dei mesmo foi a velha e famigerada carteirada que os milicos adoram! – abri a carteira e surgiu a milagrosa vermelhinha que tem o condão de abrir portas...

Segundo passo, segunda etapa do processo pai-boa-praça: comprar a pipoca e os refris. Na realidade seria o terceiro passo, pois eu as deixei sentadinhas e bem acomodadas antes de voltar e quase me perder entre quatro sacos de pipocas enormes (não tão exorbitantes quanto o preço que os pagou) e quatro latas de guaraná, geladinhas!

Ufa! Missão cumprida. Todo mundo sentadinho. Boquinhas abertas mastigando – nossa, a garota atrás de mim mastigava porcamente e aquele barulho de saliva misturado com pipoca moída me dava náuseas, ânsia de vômito... Quase voo em cima dela e peço: ‘moça, pelo amor de Deus, mastigue em silêncio!’ Não tenho muitas neuras, mas se tem algo que não suporto é mastigado com sonoridade de rapper.

Entrou um casal. A garota era 50%. Parecia toda pela metade. Baixinha. Loirinha. Acanhadinha... O parceiro era o típico brutamonte e tinha uma cabeça certamente inspiradora de um dos personagens do seriado Simpsons. Sentaram. E o cara começou a fazer gracinhas que acertaram em cheio o bom humor da minha caçula. De repente, eu me vejo assistindo a um diálogo fervoroso entre minha garota de 7 anos e um comparsa. Eles sorriam. Ele contava aquelas piadinhas de fim de tarde... Nisso as luzes se apagam, iniciando-se os trailers. Complicado foi explicar para minha filha que era hora de encerrar o papo com o amiguinho, mas deu tudo certo.

No segundo trailer minha atenção foi desviada. Eram três mocinhas que chegavam pra sentar. Nessa idade não basta apenas existir, tem mesmo é que aparecer! Assim, não bastasse o atraso, tinham que tirar a atenção dos presentes. Eram três belos exemplares de mulher, isso é verdade! Estavam perdoadas, temporariamente.

Vampiros... Cenas de amor juvenil... Sangue! Na cena em que a garota se cortou, pus meus instintos de homem pra fora e literalmente eu me espalhei na poltrona. Difícil explicar a reação que se seguiu, mas me veio uma vontade quase incontrolável de liberar os lastros do esfíncter e soltar um pum! Imediatamente, num perfeito ato reflexo, tranquei a saída. Li num livro de Biologia que fagocitose é uma espécie de mastigação de coisas sólidas; pinocitose, continuando o raciocínio, seria digestão de matéria orgânica líquida... E movimentos peristálticos, por sua vez, seriam movimentos involuntários que empurram os alimentos... Meu corpo naquele momento era pura Biologia metabólica, pois, apesar de não saber como se chama esse processo quando o que se move é puro ar, ao fechar o fiofó, senti um tremendo peristaltismo ascendente e, se não fecho a boca, tenho certeza que teria arrotado merda pura! Que sufoco! Eu estava suando... O cinema estava lotado, era verdade, mas as três amigas, como se sentiriam elas ao sorverem ar quente em ascensão enxertado de derivados de enxofre impregnando-lhe as narinas? Será que se entreolhariam e soltariam a sentença marcante desses momentos tão íntimos do homem e da mulher, perguntando-se, mutuamente: ‘Mulher, foi você?’. Melhor não arriscar.

Ainda com a mão à boca, tampando sei lá o que – tenho certeza que agi por preciosismo e instinto novamente – resolvi ir ao banheiro. Perdi bons quinze minutos do filme, mas estava feliz, aliviado!

Confuso pela mudança entre o claro do toilette e o escurinho do cinema, retorno ao meu assento de origem quase tateando. Achei minha poltrona. Sentei. Sorri para minha esposa, sem graça – eu sem graça, tá! Minha filha, pra variar, teve que avisar a todos do cinema que eu havia chegado: ‘Estava no banheiro, era papai!’. Claro que respondi apenas com um discretíssimo aceno de cabeça, mas, para meu desespero, dei de cara com as três amigas, todas juntas, sorrindo e olhando pra mim!

Tentei disfarçar as gotas de suor que me escapavam pela face e não dei a mínima para o que elas pensaram de mim. Dispus-me a me concentrar na cena de um beijo, mas quem me beijava ardentemente eram as pregas do fiofó, ardidas e queimando. Senti o prenúncio de que algo... Alívio! Já sem escrúpulos, liberei um daqueles flatos quentes que saem rasgando tudo e que queimam temporariamente até a alma do infeliz que os criou. As mocinhas pareceram incomodadas. Esperei alguma manifestação do público mais próximo – minha esposa até ensaiou um ‘Homem, pelo amor de Deus!’... Mas na tela, a não mais que 3 minutos do final do filme, tudo fica escuro aos poucos. Fantasia? Alucinação? Para desespero dos presentes, a fita pareceu queimar e o homem do rolo (cineastas, ajudem!). O homem do rolo abriu uma portinha e lá de cima gritou:

– Deu uma pane aqui! Preciso consertar. Vocês vão esperar ou querem uma senha?

Optamos pela senha e, na tarde seguinte, retornamos para assistir ao filme Avatar – e que os deuses do paraíso desçam e me ajudem a não me transformar em peristaltismos novamente durante a sessão.

Nijair Araújo Pinto

Crato-CE, 29 de dezembro de 2009.

01h32min

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