segunda-feira, 24 de agosto de 2009

As máscaras


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São exatamente oito horas e dez minutos da manhã de terça-feira. O tenente abre a porta e pede permissão para entrar. Do birô, a não mais que cinco metros de distância dele, o general esbraveja:

– Isso lá são horas de chegar ao quartel, tenente! O expediente inicia oito horas da manhã, camarada, ou você não sabe mais disso, rapaz?

– Mas general...

– Não pedi sua opinião, combatente! Pode ir.

O tenente presta a deferência habitual e se retira, ainda ouvindo intempestivos comentários do oficial-general.

Seis horas da manhã do mesmo dia. O general, ainda em trajes menores, dirige-se ao banheiro. Despe-se. Senta-se... Lê algumas páginas do jornal. Levanta-se. Dá uma olhadinha – em seguida, ouve-se o barulho da descarga.

O fórum está uma correria só. Tem Tribunal do Júri marcado para nove horas e um dos acusados é de alta periculosidade. O caso teve repercussão nacional e por todos os lados existem focos de lentes curiosas tentando o melhor ângulo para a melhor foto e a melhor imagem. O povo quer justiça e a imprensa precisa fazer uma cobertura compatível com o clamor público.

Dez horas da manhã. Inicia-se o procedimento. Advogados falam. Testemunhas falam. De repente, gera-se um princípio de balbúrdia motivado por declarações de um dos réus. O magistrado, incontinenti, bate o martelo:

– Silêncio! Eu exijo silêncio! Estamos num tribunal, senhoras e senhores! Ou mantemos a ordem ou interrompo a sessão!

Vô, acorde! – é a netinha do magistrado que o desperta. Estamos em época de férias escolares e o Meritíssimo juiz tem visitas ilustres em casa. Ele se espreguiça. A netinha já está por sobre ele, pulando em cima do avolumado bucho do avozão. O magistrado solta flatos, sob os protestos veementes da neta, e se dirige ao banheiro onde termina o que já fora anunciado. Ouve-se o barulho da descarga.

Doutor, doutor! Entrou um paciente grave agora na emergência.

– Já verificaram se tem plano de saúde? – é a resposta do médico.

– Não, não deu tempo... Ele entrou muito grave.

– Veja se está com a carteirinha. Tem acompanhante? Na dúvida, peça a caução ao acompanhante, ok! Já estou indo...

O médico chega minutos depois, mas o paciente já está em óbito, teve êxito letal.

O plantão fora exageradamente complicado. Muitas ocorrências graves, muitas intercorrências. Durante o lanche noturno, o doutor comeu algo não muito bem aceito pelo seu organismo e o processo metabólico decidiu expurgar rapidamente o que fora digerido, transformando o quilo numa pastosa mistura, de fétidos odores.

Antes de repassar o plantão, o doutor está, agora, no troninho. E de tantas visitas ao vaso, encontra-se numa situação tal que se pudesse se limparia como as damas requintadas o fazem, à mesa, em festas chiques: apenas passando, suavemente, um lencinho ‘na boca’.

– Onde está o engenheiro da obra? Com uma morosidade dessa a gente não entrega esse prédio nunca! – são os gritos do dono da construtora. Ele descarrega toda a ansiedade no peão, no primeiro que encontra.

– Pois não, seu Oswald!

– Meu amigo, esse treco não está andando por quê? Isso aqui é obra e obra tem que andar, tem que decolar! Temos prazos e prazos devem ser cumpridos, ora!

O engenheiro, já acostumado com os recados do patrão, apenas o escuta, gesticulando com a cabeça.

– Ponha isso pra andar ou cabeças rolarão, entendeu?

– Sim, senhor!

O stress desajustou o aparelho digestivo do seu Oswald e uma fininha, a famosa, o pegou de surpresa. Ele precisou ir ao sanitário obrar, às pressas. Ouve-se o pedido:

– Alguém tem PH aí?

– Tem não senhor! Fizemos o pedido na semana passada, mas ainda não chegou. – responde o engenheiro.

Trinta anos depois. Dia 2 de novembro... No único cemitério da cidade estão ladeados: o General, o Excelentíssimo juiz, o Doutor e o senhor Oswald.

Num dos túmulos, localizado na área pobre do campo-santo, encontra-se uma senhora que chora pelo pai morto brutalmente por traficantes durante um assalto. O criminoso fora condenado, mas tinha sido solto pelo indulto de Natal. Em liberdade, praticara novos crimes e, num desses, durante a fuga, alvejara o pai da senhora e mais três policiais. Os quatro morreram – três no local. O pai da senhora ainda chegou a ser socorrido, mas não resistiu ao dar entrada no hospital por causa da demora no atendimento.

A esposa do general também já faleceu. Apenas netos reverenciam o avô, silenciosamente.

O magistrado era divorciado e a esposa tivera filhos apenas frutos de uma união estável posterior.

Os familiares do médico, filhos e netos, atribulados com a correria da profissão, estavam de plantão, todos, e não visitaram o patriarca.

E o seu Oswald, de origem estrangeira, não tinha quem o levasse flores – a família não o quis enterrar no país de origem e agora ele descansava em paz, na solidão de entre continentes.

E a senhora, ainda inconformada, teimava em chorar, como o fazia desde o primeiro dia da viuvez, rogando a Deus por justiça ainda aqui na terra.

... E na fashion week da mesma cidade, uma modelo famosa, top model, acaba de destratar uma das camareiras, exatamente às 18h. A modelo, durante o voo, passou mal e teve que se dirigir, às pressas ao toalete.

Nijair Araújo pinto
Crato-CE, 19 de agosto de 2009.
13h35min

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